Este é um dos biomas com a mais rica biodiversidade e um dos mais devastados do planeta. De sua área original de 1.315.460 km² que representava 15% do território brasileiro quando da chegada dos portugueses, restam apenas 102.012 km², ou seja, 7,91% da área original. A devastação da Mata Atlântica começou com a extração do pau-brasil e de lá para cá não parou mais. Da flora, 55% das espécies arbóreas e 40% das não-arbóreas são endêmicas. Sua riqueza, por exemplo, pode ser avaliada pelo que resta de Mata Atlântica no sul da Bahia, a qual chega a ter 454 espécies de árvores por hectare. As características peculiares e os diferentes ecossistemas fazem da Mata Atlântica um dos mais importantes palcos de estudos científicos. Este patrimônio vivo é ainda muito pouco estudado do ponto de vista químico. Conhecer esta riqueza é o melhor meio de preservar o pouco que resta da Mata Atlântica.
Hoje é impossível enfrentar com sucesso os desafios de estudar as espécies vegetais da Mata Atlântica como faziam e, infelizmente, ainda fazem os químicos de produtos naturais. Muitos dos químicos dedicados à fitoquímica, selecionam a planta com base no conhecimento etnobotânico ou etnofarmacológico, convidam biólogos para integrarem a equipe, para que estes façam alguns ensaios biológicos com os extratos ou substâncias puras que por ventura isolem, e ao final de 24 meses, período de uma dissertação de mestrado, ou 48 meses, quando se trata de uma tese de doutorado, reúnem os resultados alcançados e os transformam em artigos científicos. Não é necessário afirmar que este processo é ineficaz dada a sua lentidão. Enfrentar desafios dessa magnitude exige não só interdisciplinaridade, mas, sobretudo, técnicas eficazes e rápidas para definir os perfis químicos das espécies coletadas. Hoje, ao lado das fichas do banco de extratos dever-se-ia ter seus espectros de RMN e seus cromatogramas desses extratos acompanhados dos espectros de massas de cada um dos componentes (CLAE-EM). Conhecimento de bioinformática e biologia celular são dois domínios por onde devem transitar os químicos de produtos naturais.
O grande entrave para o estudo de espécies vegetais é a falta de conhecimento e de sensibilidade dos técnicos do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) do Ministério do Meio Ambiente. Apesar de bem intencionados, eles acreditam que aplicando a legislação draconiana existente para a concessão de licenças para coletas e bioprospecção estão impedindo a devastação das florestas brasileiras, quando todos sabem que não são os pesquisadores os seus predadores. Outro problema é a dificuldade de se constituir equipes inter e multidisciplinares, porque todos acham que chegarão mais rapidamente ao Olimpo se adotarem carreiras-solo. Ciência hoje é feita em equipe e com criatividade. Em equipe anda-se mais rápido e gasta-se menos energia.
Os marcos legais dos países ditos megadiversos não oferecem as devidas garantias para atividades de bioprospecção. É quase impossível saber que comunidades desses países detém o conhecimento tradicional de, por exemplo, uma determinada planta de uso popular. O Brasil com as diversas comunidades indígenas e quilombolas é um exemplo. Enquanto persistir esta situação não haverá investimento da indústria farmacêutica. Antes de tudo ela exige garantias para as atividades de bioprospecção, que são de alto risco.
A química de produtos naturais ainda é uma das subáreas da química que pode levar à formação de excelentes profissionais, principalmente no domínio das técnicas analíticas de separação e de identificação de substâncias orgânicas. Essas técnicas modernas foram apropriadas por diferentes áreas do conhecimento. Por isso, um bom químico de produtos naturais tem grande espaço em diferentes mercados de trabalho. Entretanto, muito do que vem sendo feito no Brasil de hoje em química de produtos naturais é um xerox ilegível do que já foi feito há anos. Eu costumo afirmar que muitos pesquisadores apenas trocaram a coleta de centenas de frações das colunas de adsorção abertas por dezenas de frações obtidas, por exemplo, por cromatografia líquida de alta eficiência. Pouca coisa mudou em 30 anos. Um químico de produtos naturais precisa conhecer biologia molecular e estar familiarizado com a bioinformática.
Só se preserva aquilo que se conhece. As florestas para serem bem conhecidas têm de ser objeto de estudo. Como desconhecemos o bioma Mata Atlântica, fica difícil preservá-lo. Por exemplo, a caça a aves como os tucanos e as arapongas acelera a perda de biodiversidade. Acabamos de saber isso graças a trabalho recente publicado por pesquisadores brasileiros da UNESP, em colaboração com espanhóis e mexicanos, na prestigiosa revista Science. Os produtos da floresta devem ser explorados respeitando a sua sustentabilidade. Há que se dar um fim à extração predatória de madeira. Este é ainda uma das principais causas da devastação das florestas brasileiras. A velocidade de desaparecimento das plantas no ritmo atual é maior do que a nossa capacidade de investigação.
Enquanto o Brasil não possuir uma indústria farmacêutica pujante de capital aberto, não se pode pensar em novos fármacos extraídos de plantas. O máximo que vamos conseguir é lançar no mercado alguns fitoterápicos. Uma maneira de apressar o processo seria uma joint-venture de uma indústria farmacêutica nacional com uma grande empresa internacional. Mas, para que isso aconteça é necessária uma legislação menos xiita. Essa é uma das possibilidades, há muitas outras.
Apesar de haver vários grupos espalhados pelo país, a maior parte destes grupos ainda pratica uma química de produtos naturais provinciana. Tudo termina com a publicação do artigo científico. Por exemplo, não foi contemplado um único Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), para o estudo integrado de química e farmacologia de plantas ou de organismos marinhos. É inegável que graças à infraestrutura e à organização das universidades paulistas, o pouco que se faz em química de produtos naturais é feito em São Paulo. Mas, não podemos omitir que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ) tem apoiado os pesquisadores que se dedicam a fitoquímica no estado.
A química de produtos naturais passa por grande mudança no mundo. Saiu das universidades para pequenas empresas com pesquisadores com boa qualificação científica. Muitas dessas empresas vêm se dedicando à bioprospecção de produtos naturais. Um exemplo de sucesso é o da companhia biofarmacêutica espanhola PharmaMar, responsável pela descoberta doYondelis® (trabectedin), um antitumoral de um tunicato marinho. Bioprospectar em terra é mais fácil do que nos mares. A maior riqueza brasileira vem das nossas florestas com aproximadamente 60.000 plantas. Difícil no Brasil é aproximar a academia da empresa farmacêutica. Esta aproximação é, sem dúvida, o primeiro passo a ser dado.
Preservação e crescimento duelam-se desde que o homem começou a se movimentar no planeta terra. O Brasil é o maior produtor de soja porque conquistou o cerrado. O café e a cana de açúcar foram duas culturas responsáveis pela destruição de boa parte da Mata Atlântica. Esses produtos são de grande importância para o crescimento do país. Graças a eles, o Brasil vem tendo superávit na sua balança comercial e a agricultura é o carro chefe da economia. Cabe aos cientistas mostrarem aos governantes que a biodiversidade brasileira é também uma fonte potencial de riqueza.
As florestas são um bem da humanidade e o Brasil pode ser um exemplo para o mundo ao preservar as que têm. Graças a algumas ONGs sérias e às crianças, principalmente, a Sociedade Brasileira começa a discutir a preservação de suas matas e de se seus espaços verdes. Por isso, nos últimos anos foram criadas várias reservas ambientais. Mas, não explorar as riquezas das nossas florestas é o mesmo que guardar dinheiro em baixo de colchão.
O novo Código Florestal, aprovado em 2012, prevê a recuperação de 20 milhões de hectares em todo país. O governo do Rio de Janeiro, por exemplo, prometeu plantar, até 2016, 24 milhões de árvores e o de São Paulo diz que até 2020 vai recuperar 20% da vegetação do estado. Vamos torcer para que estas promessas sejam cumpridas. Mas, enquanto isto não acontece, nós poderíamos começar a povoar a Cidade Universitária, na Ilha do Fundão, com espécies nativas da Mata Atlântica. Este certamente seria um movimento em prol das futuras gerações de universitários e um exemplo para outras universidades do Rio de Janeiro.
Todos os países têm uma legislação para evitar a biopirataria e o Brasil não é exceção. Aos biopiratas a lei. O que devemos fazer é conscientizar nossas crianças para que elas não se transformem, quando adultos, em biopiratas. Isso só se faz com educação. O maior erro é achar que a biopirataria é praticada só por estrangeiros. Culpamos o próximo porque é mais fácil ou mais cômodo do que refletir sobre nossas mazelas.